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R. O. >< B. E. C. F.

Cartas da Pandemia / Cartas 2021  / R. O. >< B. E. C. F.

R. O. >< B. E. C. F.

“Sou branco, 37 anos, homossexual, moro sozinho há 6 anos, graduado em farmácia e bioquímica, com duas especializações na área, servidor público municipal em UBS, com estratégia da família, na periferia de Guarulhos. Nasci, cresci e sempre morei e trabalhei na periferia desta cidade. No início da pandemia estava no meu primeiro relacionamento sério, que estava chegando próximo aos 2 anos de duração, havia assumido recentemente a minha sexualidade aos meus pais (família inteira é evangélica e até que foi tranquilo, nada mudou desde então). Estava insatisfeito nessa relação, adoecendo físico e emocionalmente; a pandemia só veio agravar a situação. Terminamos. No trabalho, fiquei afastado 90 dias da linha de frente por ser grupo de risco. Pra completar o caos, meu irmão sofreu acidente grave de queimadura elétrica no Paraná, próximo da sua residência e, como não podíamos ir pra lá devido ao lockdown, acabei indo ficar com meus pais por 2 meses na cada deles, para nos cuidarmos. Meu irmão se recuperou bem rápido. No início de pandemia, neste primeiro mês que fiquei sozinho no apartamento, foi muito difícil, porém aproveitei bem o tempo: cozinhando, dançando, estudando violão (era um projeto de vida e hoje já consigo animar uma rodinha de cantoria); aumentei bastante o consumo de cerveja e vinho, tive medo, chorei várias vezes e estava com pensamentos muito ruins… quando fui pros meus pais os sentimentos ruins deram uma pequena aliviada. Cozinhamos juntos, assistimos documentários e filmes (aproveitei este momento para propor títulos que abordavam temáticas relevantes em todas as suas formas, tentando construir algo neles. Meu pai votou no “coiso”, por opinião própria, minha mãe também, por que ela “sempre vota” no mesmo candidato que ele. E, consegui nessas conversas e abordagens “converter” a mente dele a ponto de ele falar mal do bozo até hoje). Fui convocado ao trabalho novamente, devido anularem o decreto de afastamento do grupo de risco. Fiquei muito feliz e empolgado com a volta, pois apesar do medo de se infectar, me sentia um covarde estando confinado dentro de casa enquanto os colegas estavam atuando. Após algum tempo comecei a relaxar um pouco mais nas questões de isolamento e distanciamento social (sou libriano nato, e sigo fortemente a teoria de muitos amigos e redes de convívio social). Fui resistente e tido como chato e exagerado por muitos amigos e familiares em inúmeros convites que me propuseram. Mesmo tentando me cuidar, na medida do possível, eu e minha mãe fomos infectados pelo covid-19, tivemos sintomas leves, mas praticamente todos eles. Foi um período de bastante medo da morte, mas passaram-se os dias de maior agravamento dos sintomas e fui melhorando, apesar de alguns persistirem por uns 3 meses.

R. O.

14 de Junho de 2021

 

RESPOSTA >

 

Caro R.O., Agradeço primeiramente por você ter escrito essa carta! Por compartilhar um pouco da sua vida comigo! Espero que você e sua família estejam bem e saudáveis!

Para que minha identidade não fique tão misteriosa eu sou B., tenho 20 anos, sou estudante de graduação na UFSCar. Ao ler sua carta, me identifiquei em diversos momentos! Por ser também da área de saúde, grupo de risco, pela minha sexualidade, retornar para casa dos pais, por passar por momentos ruins e às vezes péssimos durante esses quase dois anos de pandemia.

Espero que você esteja melhor em relação ao término do relacionamento! Me encheu o coração saber que seus pais te aceitam e estão com você, bem como saber que seu pai agora foi “convertido”. Gostaria de conseguir fazer o mesmo aqui em casa, mas a senhora minha mãe está cegamente comprometida com o desgoverno, apesar de ter mudado algumas ideias, pré-conceitos, como me aceitar do jeito que sou. Acredito que ao passarmos por um momento tão ímpar, como o atual, algumas dificuldades e experiências serão comuns a grande parte da população em menor ou em maior grau. Sinto muito pelas suas perdas! E como você mencionou, a ausência de uma despedida digna torna o processo ainda mais difícil. Perder e velar um ente são, definitivamente, um dos piores momentos da vida, se não o pior. No início do ano passado meu pai faleceu, e hoje eu sou capaz de reconhecer que passar por todo o processo de velar, enterrar, foi fundamental para que eu pudesse passar por esse momento, para que eu assimilá-se a situação e para receber o carinho e ser acolhida por aqueles que eu amo. Posso imaginar, o quão difícil foi para você passar pelo luto sem uma despedida. Sinceramente, não vejo a hora de tudo isso acabar, sei que as melhorias não ocorrerão de imediato, mas com o ritmo da vacinação acelerando, eleições chegando, estou me iludindo com a possibilidade de mudança, para melhor! Como pode se ver eu estou tentando ser mais positiva e acreditar em um futuro melhor, mas sou ciente que o futuro pode ser em 2400 quando a raça humana estiver extinta (a ideia era ser uma piada, se ficou muito darkness perdoa eu). Cartas da Pandemia CURSO SAÚDE COLET IVA E PERIFERIAS.

Mas assim, enquanto esse dia não chega, acho que podemos seguir acreditando que amanhã vai ser outro dia, como o Chico canta. E que a gente consiga propor ao nosso íntimo mudanças e que a gente possa sair melhor dessa. Torço para que você fique bem! E quem sabe a gente não se encontra em um desses passeios pós-pandêmicos! Se cuide! Beijos e um grande abraço.

B. E. C. F.

14 de Agosto de 2021

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