Topo

A. >< A.L. < P.A.

Cartas da Pandemia / Cartas 2020  / A. >< A.L. < P.A.

A. >< A.L. < P.A.

Boa Noite!

Terminando esta aula que muito me interessa, afinal a pandemia está mudando bastante nossas vidas!
Sou A., tenho 34 anos, Assistente Social Pós Graduada em Políticas Públicas. Sou filha de diarista (em atividade aos 65 anos) e motorista (afastado devido estar no grupo de risco).
Atualmente estou desempregada, fui demitida 2 meses depois de ser re-contratada por uma gerenciadora que presta serviços para a Prefeitura de São Paulo, por causa da crise. Fui lançada no olho do furacão, não tenho renda e não tenho direito ao auxílio emergencial, ou seguro desemprego.
Com as reservas que fiz estou pagando as contas mês a mês, ajudo minha mãe também.
Sou da Zona Norte de SP, região bastante atingida pela doença, afinal falta consciência por parte da população.
Respondendo: estou no fio da navalha e me sentindo estúpida por ter escolhido uma profissão que perde valor a cada mudança de governo. Incompetente de não poder assegurar uma velhice tranquila aos meus pais e preocupada com um futuro incerto.
Abraços…

A.

08 de Junho de 2020

 

RESPOSTA >

 

Olá A., sou A.L. também sou moradora na zona leste de São Paulo, bairro da Penha. Estava na turma A do curso Pandemia e Periferias, uma turma muito boa, participativa, que contribuiu muito comentários e questionamentos sobre as aulas. Assim como você, também gostei muito do
curso porque me apresentou analise alguns aspectos sociais com maior profundidade, como o nascimento e funcionamento do SUS, o racismo institucional (que, as vezes parece ser tão sutil, mas acaba por estigmatizar gerações de famílias inteiras em uma maldição de miséria e falta de oportunidade), assim como as questões de diferentes formas de assédio que nós mulheres vivenciamos em todas as esferas da sociedade, mas não temos espaços para fala e analise desses comportamentos tão enraizados em nossas relações de família, trabalho ou comunidade mesmo.
Sou professora de educação infantil e estou me esforçando muito com adaptações de um trabalho realizado de forma tão rica com vivências infantis para uma comunicação online tão fria e superficial. Não acredito neste trabalho que fomos forçados a realizar para justificar nossos salários e me sinto  frustrada e cansada por fazê-lo sem nenhum retorno das famílias, mas compreendo perfeitamente os motivos que as fazem colocar outras prioridades em suas vidas.

Sinto saudade da rotina escolar, das falas espontâneas das crianças, ouvir suas hipóteses sobre conhecimento do mundo que as cercam. Fico pensando em como tornar esse retorno menos traumático e perigoso para todos nós, sei que este não é o momento de retornar às escolas, mas mesmo para o próximo ano, como manter espaço e tempo que elas tem hoje de forma que elas continuem
explorando o universo escolar livremente e ainda possam trocar ideias os colegas sem perigo? Somos
seres sociais e esse isolamento me parece um castigopara elas.

Moro com meu filho que fará nove anos este mês. Tem dias que ele chora, pedindo para não participar da aula online, levo bons minutos para consolar e argumentar com ele a importância das rotinas em nossas vidas, mesmo assim, ele não se entusiasma com o que é sugerido pela escola. Estamos conseguindo respeitar o isolamento social. Saio de casa apenas para ir ao mercado e
nestas horas ele fica um pouquinho com os avós, isso uma vez por semana ou de 15 em 15 dias, de acordo com a necessidade. Ele também está visitando o pai nos fins de semana.

Também sinto medo desse futuro tão incerto que você mencionou em sua carta, está sendo muito mais difícil vivenciar esta pandemia sem políticas públicas adequadas, meu  sentimento é de “cada um por si, e NÓS por NÓS”.

Cartas da Pandemia, destinatário solidário, Universidade Emancipa.

Desejo a você força e coragem para concluir seus estudos com muito orgulho da sua trajetória e que consiga seguir numa bela carreira profissional, que as pessoas a sua volta reconheçam suas potencialidades e lhe abram muitas portas, e que você tenha tranquilidade e sabedoria para abrir as portas certas.

Muito obrigada por compartilhar seus sentimentos. Cuide-se bem. Ame-semuito.

E proteja-se como puder.

A.L.

19 de Novembro de 2020

 

RESPOSTA SECUNDARIA>

 

Cara A.

Inicialmente te parabenizo pelo grau de consciência sobre esse momento que estamos vivendo.

Ser “a chata” pode evitar adoecimento e morte, não apenas nosso, mas de toda comunidade que nos cerca. Se a maioria das pessoas realizasse realmente o isolamento, passaríamos por essa Pandemia com menos vidas perdidas, com menos sofrimento. Conquistar a maturidade de compreender que há muitas coisas que podem ser vividas, resolvidas, consumidas depois e que esse depois só existirá se houver vida é muito importante. E percebo pelo seu relato que você já conquistou. Concordo que manter as aulas do cursinho à distância não é a condição ideal, muitas pessoas não têm acesso e isso explícita quão imensa é a desigualdade em nosso país. Por isso e pela própria modalidade online, há perdas no processo formativo, mas também é uma oportunidade importante para refletirmos sobre a riqueza dos momentos vividos, da aula presencial, do contato olho no olho, do debate que às vezes por desinteresse o aluno deixa de participar. E que agora podem rever e continuar seus processos formativos daqui para frente de um jeito novo, valorizando cada fala, cada explicação, cada diálogo, desenvolvendo com isso um novo prazer no ato de estudar. Você sabe, melhor do que eu, o quanto isso pode fazer a diferença numa sala de aula. Trabalho como assistente social em um CRAS, tenho que sair de casa todos os dias para trabalhar, apesar disso, tenho cumprido o isolamento e todos os cuidados no restante do meu tempo, cultivado o prazer de estar em casa e realizar outras atividades para enfrentar esse momento. Minhas plantinhas se multiplicaram, minhas leituras estão um pouco mais em dia, a meditação com a frequência mais regular, enfim, atividades que vão sendo atropeladas no cotidiano. Desejo que você mantenha sua saúde física e mental nesse momento que tanto nos cobra uma abertura, inteligência emocional para suportar e ainda aprender com tudo que estamos vivendo. Mantenha-se protegida, cuidada. Cuidar de si nesse momento é um ato político, pois expressa cuidado com o coletivo, com as pessoas à nossa volta. Além disso, expressa nossa luta diante do projeto genocida em curso em nosso país, a resistência de sobreviver a essa pandemia e a todos os ataques protagonizados pela classe burguesa representada pelo governo brasileiro. Agradeço por partilhar sua experiência comigo, novamente te parabenizo por como está enfrentando esse contexto e por sua atuação junto ao movimento popular!

Abraço fraterno!

P. A.

16 de Julho de 2020

Nenhum Comentário

Publique um Comentário